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quarta-feira, janeiro 31, 2007

Crônicas da vida empresarial: personagem 3 - Rodolfo

Rodolfo era um sobrevivente.
Passara dos 50 anos e "ainda" não tinha um cargo de gerencia.
Não que almejasse isso. Na verdade, nem dava para a coisa. Mas fato é que para os padrões vigentes a mulher precisa casar e o homem deve ser gerente antes dos 50.
Escapara por pura sorte da selvagem onda de substituição da velha pela nova geração, que assolara os anos 90. Alguem lá na diretoria decidira mantê-lo por um pouco mais de tempo na equipe, até que a moçada estivesse mais preparada.
A moda passou e o Rodolfo, que não costumava criar caso com ninguém, ficou.
Rodolfo não era um borra botas ou lambe fraldas. Era um sábio. Escutava mais do que falava. Se havia um problema procurava estar do lado da solução. Não confrontava ordens, mas também não as cumpria cegamente. Quando algo não fazia sentido, esperava o momento oportuno para plantar a semente da dúvida e deixava que o chefe (um cada vez mais jovem do que o outro) repensasse sua posição.
Não competia. Apoiava.
Fazia elogios públicos e críticas (sempre construtivas) privadas.
Se Estela era a alma do escritório, Rodolfo era a consciência, que conferia uma tranquila segurança aos jovens impetuosos.
- Vai dar merda ! Melhor falar com o Rodolfo. - era o comentário clássico do Jailton, que sabia reconhecer o valor da experiência nos momentos críticos.
Embora não fosse particularmente saudosista, Rodolfo as vezes era surpreendido sorrindo ao sabor de lembranças de outros tempos (era, também, o mais antigo funcionário da divisão).
Tempos em que a alma do escritório era outra: Dona Quitéria.
Troque-se a sensualidade e a safadeza da Estela por carinho e humor maroto e temos Dona Quitéria, claro que alguns quilinhos a mais, porque os ideais de beleza eram outros.
Dona Quitéria, jovem senhora de 30 e poucos anos, tinha um amor maternalmente democrático por seus companheiros de trabalho, embora não conseguisse esconder uma certa predileção por Ernesto, jovem brilhante mas desregrado como seus cabelos, dono de um insuperável senso de humor e de uma infinita capacidade de não se levar a sério.
- Com a Quitéria, conversávamos ... - lembrava Rodolfo, numa talvez injusta comparação com os papos superficiais do Degas. A Estela me desconcentra. Alias, é assim que estamos, desconcentrados, superficiais e modernos. Nem melhores, nem piores ... mo-der-nos !
Na sua percepção, haviam deixado de ser uma família para transformar-se em um grupo buscando desesperadamente atuar como uma equipe. Não sabia se a troca da musa era causa ou efeito, mas que estava carregada de simbolismo, isso lá estava.
- Antes, trabalhavamos para merecer o amor e os cuidados da Quitéria. Agora, para impressionar a Estela, no caso dos homens, ou para competir com ela, no caso das mulheres.
Nem melhor, nem pior ... outros tempos - afirmava desapaixonadamente.
Não havia qualquer amargura em seus comentários. Rodolfo conquistara a serenidade dos sábios, tirando do passado não mais do que lições para viver melhor no presente.
- O futuro é coisa da diretoria. Quando virar presente eu cuido ...

terça-feira, janeiro 30, 2007

Pensamento da Tarde ...

Ocupe-se de pouco para ser feliz (Demócrito, para a revista Época)
Ninguém com múltiplas tarefas pode aspirar a felicidade. Uma agenda cheia equivale a sobrecarregar o espírito e traz inevitavelmente a angústia.

ps - Aguardem o perfil do Rodolfo na próxima postagem ...

sábado, janeiro 27, 2007

Crônicas da vida empresarial: personagem 2 - Estela (a loirinha)

Estela tinha cabelos castanhos. Tingiu de loiro depois do lançamento da cerveja Stella Artois no Brasil, bem de acordo com seu senso de humor.
- Pronto, assumi ! - disse ela no primeiro dia em que chegou loirinha no escritório, numa referência às constantes piadinhas dos colegas durante o happy no Degas.
Jailton, sempre ele, era o mais contundente:
- Ja que a Estela não dá para mim, me dá uma Stella ...
Juca, o garçon, que arrastava um bonde pela moreninha (agora loira), não conseguia esconder os pensamentos libidinosos que o sorriso safado da garota provocava.
- Que é que eu posso fazer se você prefere se afogar nas loiras, Já ? - ela devolvia.
Estela não é uma mulher particularmente bonita. Na casa dos 30, magra, seios pequenos e quadris generosos, costumava atrair mais olhares quando ia do que quando vinha.
Mas alí, sentada na mesa do bar, riso solto como seus cabelos longos, olhar vivo e maroto, mãos delicadas que deixava deslizar com proposital suavidade sobre o peito dos amigos entre um comentário e outro, transpirava sensualidade.
Ninguém abraçava como a Estela. Abraço de corpo inteiro, encaixado, beijo no rosto de verdade, sempre um pouco mais próximo da boca do que a etiqueta recomedaria. Uma promessa.
Juca mereceu um abraço da Estela no dia do seu aniversário. Nunca mais esqueceu. Sua semana passou a ter apenas dois dias, segundas e quintas, quando a turma do escritório se reunia para o happy.
Os meninos, que não perdoavam uma, respeitavam a agonia do Juca porque dela partilhavam.
- O caso é sério ... - vaticinava Rodolfo, o mais velho do grupo. Não é brincadeira não. Qualquer dia, mermão ... qualquer dia ...
Estela não estava alheia ao tumulto que causava e administrava seu epíteto de promessa. Que se soubesse, nunca havia tido um caso com ninguém no escritório.
Havia uma suspeita de que seu ex-chefe, o Badaró, tinha forçado a barra no final da festa de fim de ano da empresa e, por isso, teria sido demitido sumariamente pelo Superintendente, o que só reforçava a tese de que Estela não era petisco para qualquer um.
E, depois, sua atuação no SAC da empresa era irrepreensível. A simpatia complementava o profissionalismo com que tratava todos os clientes.
- Estela, companheiros, é a alma da nossa empresa ! - filosofou Jailton para os colegas numa noite em que todas as damas já tinham deixado o Degas. Sem ela não somos nada ...

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Crônicas da vida empresarial: personagem 1 - Dona Constância

Constância não desperta a atenção de pronto.
Ninguém sabe ao certo quantos anos tem e a quanto tempo está na empresa.
Parece que sempre esteve alí, na vida e no escritório.
Sua atitude séria, porém simpática, resulta num ar confortavelmente familiar.
A gente sente logo que pode contar com ela.
- Pede p'ra Dona Constância ... - é a expressão mais comum nos momentos de necessidade.
Ela sempre sabe onde estão arquivados os documentos, sua agenda de telefones é um verdadeiro ninho de fornecedores confiáveis para serviços episódicos e sua memória é balsâmica.
Mas sua principal característica é a persistência.
Se você tem uma tarefa que precisa ser cumprida, passe para a Dona Constância. Ela nunca desiste, mesmo que você sugira o contrário.
- Agora é uma questão de honra, Dr. Almeida. Resolvo isso ou sim ou sim !
Mas engana-se que imagina que Constância seja uma rotunda senhora de temperamento germâncio e humor russo.
Dona Constância tem traços delicados e maneirismos suaves, além de uma tranquilidade que só não é enervante porque vem acompanhada de um inquestionável dinamismo. Constância não para. Ela já está no escritório quando chegamos e nunca é a primeira a sair (exceto às quartas-feiras, quando religiosamente deixa o escritório as 18h35 para um compromisso semanal cuja natureza ela preserva com elegantes evasivas).
- É coisa pessoal ... prefiro não comentar. Mas não é nada que mereça sua curiosidade - ela costuma dizer para quem pergunta.
Aliás, essa é outra característica da Constância da qual poucos se dão conta: ninguém sabe nada a seu respeito.
Esse fato não costuma chamar a atenção porque ninguém, de fato, se interessa por saber.
Mas é como o Jailton, já navegando num mar de chopp no finalzinho de um happy hour comentou:
- Ouçam o que eu digo: essa mulher esconde grandes surpresas. Ninguém sabe nada dela e nem se lembra de perguntar. Mas eu conheço ... eu conheço ... Ela ainda vai dar um susto.

(aguardem a descrição do próximo personagem)

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Pensamento da tarde

Se a cada momento histórico associassemos um verbo, "popapar" seria o do nossos tempos.

(Arguta Café: um blog sem pop-up.)

domingo, janeiro 21, 2007

Caindo do céu

- Almeida ?!? Tá olhando o quê ?
Hermógenes estava realmente curioso. Está certo que o Almeida era dado a esquisitices, mas ficar alí plantado na calçada, olhando para o céu, imóvel a horas ...
- Quieto Gê ... vai ser a qualquer momento. Estou a sentir.
- Santo homem ! Vai ser o quê ?
- Quê, quê, quê ... parece criança, ô gajo - desde de que voltára da Ilha da Madeira onde estivera "a visitar parentes", Almeida insistia com essa coisa de gajo - Se queres ajudar vá buscar uma cadeira...
- Você deveria estar conversando com o gerente do banco, para resolver aquela história do empréstimo, ao invés de ficar aí parado feito filhote de girafa esperando a mãe pegar comida.
- Pois acabo de voltar de lá, oh pá.
- E então ? O gerente concordou ? Eu te falei que com a tua ficha ia ser difícil.
- Tu sempre foste pessimista Gezito. Tudo é uma questão de atitude.
- E lá atitude resolve problema de crédito ? Me conta com é que foi isso aí...
- Muito simples. Entrei no banco, sentei de fronte ao gerente e fui logo dizendo: preciso de 50 mil reais, não sei quando posso pagar mas o senhor tem a minha palavra de que assim que eu puder lhe devolvo o dinheiro, com a graça de Deus. Mas o senhor precisa liberar o dinheiro ainda hoje.
- E o que foi que ele respondeu, Almeida ? Te mandou plantar batatas ?
- Pois claro que não. Muito ao contrário. Disse que era só eu ficar aqui fora esperando que o dinheiro iria cair do céu.
- Mas que sujeito mal educado !
- De modo algum, Gê. Preocupado com seus clientes, isso sim. Até fez questão de dizer que seria melhor esperar sentado porque de pé poderia me cansar !
Hermogenes olhou para o Almeida, para a porta do banco, para o céu e, depois para o Almeida novamente.
- Pode esperar que eu vou buscar uma cadeira para você ...

terça-feira, janeiro 16, 2007

I Ching : o livro das mutações


Já que estávamos falando de mudanças, lembrei-me do I Ching, o livro das mutações e provavelmente a "publicação" mais antiga do mundo (se é que podemos considerar um feixe de tábuas de bambú de 5000 anos como uma publicação).
A base do I Ching são os hexagramas (que sucederam os trigramas), 64 símbolos formados por 6 linhas cada, contínuas ou interrompidas (a inspiração do sistema binário, atualmente utilizado em computadores).
A cada um dos 64 símbolos corresponde (no formato atual) corresponde um nome (Progresso, Oposição, Espera, etc.) e um provérbio chinês. O resto é interpretação.
O conceito fundamental é o contínuo processo de mudança regido pela somatória das forças cósmicas (Yin e Yang - sombra e luz). Os hexagramas representam padrões cósmicos de combinação das forças, que se repetem de forma perpétua, e afetam todas as coisas do Universo.
O interessante é que tudo começa com uma pergunta, para qual você deseja uma resposta.
E esse é o grande segredo: descobrir qual é a pergunta. Sugere-se meditação e concentração para a formulação da pergunta da forma mais simples e direta possível.
De posse da pergunta o consulente lança 3 moedas por 6 vezes consecutivas (método moderno). Ao resultado de cada lançamento corresponderá uma linha contínua ou interrompida. As 6 linhas formarão um hexagrama, cuja interpretação responderá a pergunta formulada.
Não sou chinês mas, caso você esteja se sentindo perdido, recomendo pelo menos a primeira parte.
Medite, concentre-se e procure resumir seu problema em uma pergunta. Se conseguir, já resolveu 90% do seu problema.
Pode até consultar o I Ching.

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Um pé lá e outro cá ...


Que o ser humano sempre resiste a mudanças, todo mundo sabe.
Tradicionalmente, costuma-se afirmar que durante um processo de mudança todas as pessoas passam por 4 fases: surpresa, negação (raiva), negociação e aceitação (Kluber-Ross define 5 fases: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação).
Mas independentemente de como se dá o caminho entre o choque e a aceitação, há um fato relevante a se considerar.
Normalmente as mudanças externas ocorrem muito mais rapidamente do que o processo de adaptação do indivíduo.
E quando (ou enquanto) isso acontece, ficamos com um pé no que era e outro no que será.
Na medida em que o processo externo de mudança se consolida e esses dois mundos (velho e novo) se distanciam, essa posição (um pé lá e outro cá) se torna mais incômoda e nociva, até o limite em que já não conseguimos nos equilibrar e caímos no abismo criado por nossa incapacidade de mudar.
Os que resistem completamente à mudança, fixados na fase da negação, ficam com os dois pés no passado.
Os que completam o processo até a aceitação, seguem com os dois pés na nova realidade.
Já os que entendem que o passado já não existe, mas não conseguem aceitar a nova realidade, ficam numa espécie de limbo, perdidos numa interminável negociação interna.
Poucas situações são mais tristes do que essa, que rouba o conforto do passado conhecido e, ao mesmo tempo, impede o indivíduo de prosseguir.
É como uma trágica morte em vida.
Trata-se de algo mais comum do que pode parecer a primeira vista. É bastante provável que você mesmo esteja passando por algo assim em algum aspecto de sua vida.
E a forma mais eficiente de superar esse impasse é buscar ajuda psicológica (análise, terapia).
O importante é perceber antes de cair, e tomar providências.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Pensamento da madrugada

O mundo da fantasia é o refúgio dos covardes.
(mas que parece mais interessante do que a realidade, parece !)

segunda-feira, janeiro 08, 2007

O lado bom das cucurbitáceas


Culpa de Cristovão Colombo.
Foi ele que trouxe essa classe de cucurbitáceas para as Américas.
Estou falando do Pepino.
Originário da Índia, tem sido cultivado desde a Antiguidade na Ásia, África e Europa e chegou aqui pelas mãos do navegador.
Dalí para frente, foi só pepino neste continente.
Mas vejamos o lado bom das coisas. O Pepino contém pequena quantidade de vitaminas A, C, B1, B2, e de sais minerais. É uma hortaliça refrescante, ideal para consumo em dias quentes.
Diferente do Nabo, que é uma crucífera de folhas glaucas. bem menos refrescante e saborosa. Por isso, quando for comprar o pepino e o feirante perguntar se você não prefere levar um nabo, recuse.
Mas voltemos ao Pepino. Quando você tem um Pepino nas mãos, veja-o como uma oportunidade.
E seja rápido. Pepinos estragam rapidamente na temperatura ambiente. Se puser na geladeira, você só estará adiando as coisas.
Fato é que você vai se sentir melhor quando tiver liquidado com o Pepino. Refrescado, nutrido ... renovado.
É mais uma boa atitude para adotar em 2007. Tire proveito dos Pepinos.
E para quem achou tudo isso bobagem, abóboras também são cucurbitáceas !

(com a colaboração da Rossana, consultora agrícola do Arguta Café e do site do Correio Brasiliense)

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Pequenas homenagens para grandes homens

Noutro dia participei de uma pequena homenagem para um grande homem. Nossa equipe despedia-se do meu pai, Carlos Ferrari, com quem trabalhamos durante aproximadamente 10 anos aqui no IBOPE, incluindo os períodos como Consultor e Diretor. Obvio que como filho tive um papel protagonístico na homenagem. Não poderia ser de outra forma, já que ele realmente vem sendo um pai para mim durante toda a vida. Mas uma rápida e sumária apresentação de algumas poucas de suas muitas contribuições profissionais (para o mercado de comunicação e para a nossa empresa) e breves comentários sobre seu relacionamento com amigos, colegas e funcionários foram suficientes para dar a dimensão de concretude à extensão de sua vocação paterna. Ele foi pai, mas não só para mim. Na verdade, a razão dessa postagem não é exatamente essa homenagem. Estava assistindo um capítulo da série Law & Order sobre um pai que acabou metendo seu filho em uma grande enrascada simplesmente porque não o aceitava como ele era. Naquele momento dei-me conta que essa sempre foi uma grande qualidade do Ferrari Pai. Bastante provavelmente eu nunca fui o filho que ele esperava que eu fosse. Mas foram muito poucas as críticas e praticamente nulas as interferências em minhas escolhas. Com raro talento, ele sempre me transmitiu a sensação de apoio quase incondicional, e quando não (porque de fato eu estava fazendo alguma grande bobagem), de compreensão infinita. Meus caros ... como isso é importante !!! E hoje, que também sou pai de dois grandes garotos (dos quais muito me orgulho, vale mencionar), tenho a consciência de como é difícil deixá-los viver suas vidas e apoiá-los incondicionalmente. Deve ser ainda mais difícil para aqueles que não tiveram a sorte que eu tive, o exemplo do berço. E o interessante é que essa atitude se extende também para a vida profissional. O Ferrari sempre foi um exímio delegador. Tal qual fez com seus filhos, conferia a seus "comandados" a autoridade correspondente à responsabilidade. Cobrava empenho e comprometimento, mas oferecia a liberdade para o exercício da individualidade. Creio que essa é uma característica genética do Ferrari. Também costumo agir assim quando ocupo uma posição de liderança. Mas aprendi com o exemplo e com a experiência. Vez por outra ainda tenho alguns deslizes centralizadores. Fato é que todos saimos ganhando com esse comportamento. Os líderes (e pais), porque tem a chance de aprender outras verdades. Os "comandados" (e filhos), por que crescem na busca de seu próprio caminho. Pois é, Pai ... faltou agradecer por mais essa !